Diretoria da Adufs discute retomada virtual às aulas em audiência pública organizada pela Câmara de Vereadores

21/04/2021

Adotado de forma emergencial por conta da Covid-19, o ensino remoto traz consigo muitos obstáculos e dificuldades para professores e alunos, afetando diretamente o direito à educação previsto na Constituição Federal, segundo a maioria daqueles que se manifestaram na audiência pública sobre a retomada virtual, durante a pandemia, às aulas na rede municipal e estadual de Feira de Santana. A Adufs, convidada a participar da discussão, foi representada pelo diretor Elson Moura. O encontro foi organizado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Vereadores e ocorreu no formato on-line.

Em grande parte das falas dos docentes e dos representantes das entidades presentes à audiência explicitou-se que o ensino remoto esbarra na falta de acesso à internet e de outros equipamentos tecnológicos por parte de docentes e da maioria dos alunos; e afeta a saúde física e mental de ambos e de suas famílias, que tiveram de se adaptar a uma atividade para a qual não foram capacitados, por indispor de uma estrutura física em suas residências que garanta o funcionamento desta modalidade de ensino e por terem de assumir, docentes e discentes, uma rotina com carga horária extenuante em função da pouca ou nenhuma habilidade em planejar os trabalhos através do uso dos novos recursos tecnológicos. Também foi ressaltado que as condições socioeconômicas desfavorecem milhares de alunos no acompanhamento das aulas.

O vereador Jhonatas Monteiro, membro da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, destacou que a maioria da população brasileira vive um cenário difícil mesmo antes da pandemia, mas na atual conjuntura as dificuldades são ainda maiores, ampliando a imensa desigualdade social que aflige o país, com a reincidência da fome, desemprego, redução da renda do trabalhador e das possibilidades de sobrevivência. Tal situação, conforme Monteiro, afeta as famílias e reduz as condições de permanência das crianças e jovens na escola, mesmo de modo virtual. “Diante desse contexto é fundamental que haja discussão coletiva, para que o processo de retomada das aulas não signifique a imposição de medidas artificiais que não conseguem efetivamente dialogar com a realidade, e ao invés de constituir um avanço, constitua um retrocesso”, analisou o edil.

Adufs
Durante a audiência pública, Elson Moura saudou a todos, disponibilizou-se a participar das atividades relacionadas aos desdobramentos do debate e agradeceu à Comissão de Educação e Cultura por ter convidado a diretoria à audiência pública. O docente pontuou que o país enfrenta uma grave crise econômico-sanitária, “o que pressupõe, de um lado, a constatação de uma crise tipicamente capitalista, potencializada pela pandemia causada pela Covid-19 e, de outro lado, o seu agravamento mediante as consequências das opções dos gestores do Estado capitalista, em especial do governo Bolsonaro, e sua agenda de ataques à classe trabalhadora”.

Com base na pesquisa iniciada em março do ano passado pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina, Moura acrescentou que há um plano institucional do governo Bolsonaro de disseminação do vírus em todo o país, a fim de retomar as atividades econômicas às custas da vida da população, principalmente daquelas em situação de vulnerabilidade social, sempre excluídas dos Direitos Fundamentais conferidos pela Constituição Brasileira. O estudo analisou falas públicas do presidente, portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos do Governo Federal relativos ao coronavírus. Verificou-se a existência de uma agenda política genocida que viola o direito à vida e à saúde da população, em especial, das mais pobres. “Diante das milhares de mortes e famílias devastadas, de quase seis milhões de desalentados, 19 milhões de pessoas em insegurança alimentar e esgotamento total dos trabalhadores da linha de frente contra pandemia, é indiferente saber se há ou não uma agenda consciente e intencional do governo Bolsonaro na gestão dessa doença epidêmica”, analisou.

Pandemia X educação
Considerando os desdobramentos do atual contexto nas diversas áreas, Elson Moura alerta que a educação brasileira não está acima dessas contradições, mas é envolvida por elas. A determinação do ensino remoto às instituições educacionais do país logo no início da pandemia e suas desastrosas consequências para os educadores, educandos e suas famílias escancaram essa disparidade. O docente lembra que a atividade remota foi imposta diante da impossibilidade dos encontros presenciais, no entanto, nos moldes nos quais foi adotada, revelou, com base na experiência da comunidade acadêmica, problemas de variadas ordens para docentes e discentes. “Os docentes não são contrários à tecnologia. O questionamento é se tais atividades são compatíveis com as condições objetivas da comunidade educacional”, avalia.

Elson Moura ainda disse que é preciso defender a atividade pedagógica como contingencialmente remota e essencialmente presencial, já que, dentre outros elementos, é necessário o contato com os alunos. Em se tratando do ensino superior, ele acrescenta que é importante reiterar a decisão do Sindicato Nacional, que aprovou, após ampla discussão entre a categoria, uma greve nacional da educação, caso seja aprovado o retorno presencial às aulas sem vacina e sem as condições sanitárias ideais para a preservação da vida das pessoas. Retorno este previsto no PL5595/2020, que caracteriza a Educação como serviço essencial e obriga o retorno presencial das aulas na rede básica e no ensino superior. O projeto foi aprovado na noite de terça-feira (20), na Câmara de Deputados.

O diretor da Adufs aproveitou o espaço da audiência pública para relatar que além da já mencionada sobrecarga no orçamento familiar para a execução das atividades acadêmicas no formato on line, há de ser considerado também que os docentes acumulam uma perda salarial de quase 34% por conta da opção política do governador Rui Costa de não repor a inflação, ao longo de seis anos, do funcionalismo público estadual. “Temos um aumento nas despesas mensais, mas sem correspondente aumento no salário, que vem relativamente diminuindo", informou.

Mulheres e mães
Quase ao final da fala na audiência pública, Elson Moura incitou os presentes a refletirem sobre a condição das professoras e mães, maioria na Educação Básica. Relegadas historicamente à relação social de produção machista, matriarcal e misógina, professoras dos três níveis de ensino têm de conciliar demandas domésticas, cuidado com os filhos e ensino remoto. A rotina de trabalho pode chegar a até 18horas diárias. Em se tratando da Uefs, por exemplo, o artigo 18, parágrafo 4º da Resolução do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consep) 131/2000, estabelece que enquanto vigorar o ensino remoto emergencial, serão consideradas as questões de gênero, maternidade e outras especificidades decorrentes da pandemia no planejamento pedagógico e na distribuição de encargos docentes.

“Em matéria divulgada pela Adufs, há o relato de uma docente do Departamento de Biologia que diz enfrentar momentos difíceis para cuidar dos três filhos e manter as aulas, projetos de extensão e pesquisas. O planejamento dessa docente é feito de madrugada. Existe uma preocupação colocada na resolução, mas é necessário o acompanhamento do cotidiano das professoras”, disse o diretor, convidando os vereadores e representantes dos sindicatos presentes a protagonizarem esta avaliação na rede municipal, tarefa que não deve ficar limitada ao Executivo do município de Feira de Santana, comprometido com a continuidade do projeto de sucateamento do setor público em andamento durante décadas por gestões anteriores.

Defesa de interesses imediatos
Antonia Silva, professora da Uefs e pesquisadora de Políticas Educacionais, também foi convidada a participar da atividade na Câmara de Vereadores. Em sua fala, a docente chamou a atenção para as táticas do governo federal de negar a ciência para fortalecer uma agenda neoliberal. Atitudes e decisões que, frente à pandemia, colocam a população brasileira numa posição extremamente vulnerável, em diversos aspectos.

Do ponto de vista educacional, a docente disse que “vivemos a tensão direta entre o direito à educação e à proteção da vida, dando vazão a lógicas muito diversas e díspares, que favorecem o fortalecimento dos debates daqueles que procuram defender interesses imediatos. Temos dois movimentos que estão em jogo: o dos que atuam em defesa da educação como serviço e os que a defendem como um direito social fundamental. Disseminou-se no Brasil um movimento chamado A educação não pode esperar, coordenado por setores empresariais e setores de classe média alta. Esses sujeitos vivem em um contexto escolar de condições privilegiadas e, portanto, desconhecem e são indiferentes à realidade das instituições públicas do país”.

Antonia Silva reforçou que é preciso reivindicar a prioridade da vacina, combinada com medidas protetivas, para a retomada presencial das aulas e “isso inclui, neste caso, ações de caráter intersetorial. O que quero dizer é que todas as ações que venham a ser encaminhadas não podem ter caráter centralizado apenas na mão de um grupo ou setores específicos, devem envolver a responsabilidade do Estado, representantes políticos e de diferentes órgãos da educação e de autoridades sanitárias e pedagógicas. Todo o trabalho deve ser feito de forma conjunta, sem sobreposição de um em relação ao outro. Pensando nas ações de caráter intersetorial, precisamos acentuar a importância da criação de comitês especiais com a função de realizar diagnósticos sobre a situação, definir prioridades, estratégias de ação e o monitoramento da pandemia. Também é importante lembrar que não devemos permitir o retrocesso nas políticas de educação inclusiva”.

Professora Antonia Silva, da Uefs, também foi convidada à audiência pública

Reivindicações
A audiência pública foi um espaço para a exposição das reivindicações dos docentes da Educação Básica, a exemplo do reestabelecimento e reembolso dos salários cortados durante a pandemia, convocação dos aprovados no concurso público realizado em 2018 e a nomeação dos convocados. Os docentes criticaram a Prefeitura pela demora em preparar, em 2020, a rede municipal para a modalidade virtual ou semipresencial, o que comprometeu gravemente o ano letivo. Ainda segundo os servidores, em 2021, o processo de planejamento foi corrido e contou com pouca participação das comunidades escolares.

Os docentes também questionaram a interrupção na distribuição da merenda escolar ao longo de 2020. Sobre este caso, a secretária Municipal da Educação, Anaci Paim, disse que os R$400 mil mensais destinados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) não são suficientes para arcar com R$ 2,5 milhões necessários, por mês, para a aquisição dos kits alimentação. No entanto, a gestora sinalizou que o aporte de recursos para arcar com as despesas deve vir de novas fontes. Uma resposta muito vaga.

As entidades representativas dos profissionais da Educação Básica ficaram inconformados com a postura da gestora, que, na avaliação de alguns deles, foi evasiva e não apresentou respostas concretas aos questionamentos. Além de responder aos questionamentos de forma reticente, Anaci Paim saiu apressadamente da audiência logo após a sua fala, alegando outros compromissos. A saída aligeirada da Secretária da Educação a impediu de ouvir todos os questionamentos feitos pelos presentes. A postura da gestora em relação à audiência pública convocada para discutir questões inerentes à Educação é, no mínimo, negligente.

Ao final da Audiência, definiram-se ações e recomendações à Comissão de Educação e Cultura da Câmara para a garantia da continuidade do debate e aprofundamento das reivindicações. A Comissão deve também disponibilizar posteriormente um relatório sobre a audiência, assim como tornar pública a resposta ao requerimento endereçado à Secretaria Municipal da Educação com 18 questionamentos sobre a retomada virtual das aulas.

A audiência pública promovida pela Câmara de Vereadores aconteceu na última sexta-feira (16). Ainda estiveram presentes representantes do Núcleo Territorial de Educação do Portal do Sertão (NTE), APLB/Feira, Sinpro, Conselho Municipal do Fundeb, Núcleo Territorial de Educação de Feira de Santana (NTE-19), Fórum de Professores da Educação Básica da Bahia, representantes de partidos políticos, representantes das famílias de discentes da rede básica e superior, servidores da Educação, sociedade civil, além dos demais vereadores da Comissão de Educação e Cultura. A atividade foi exibida no canal do YouTube da Casa. 

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