Uma loa a Ana Angélica - Por Geraldo Ferreira de Lima

19/01/2022


Era uma tarde diferente desta do dia 18 de janeiro de 2022 em que Ana Angélica é levada à sua última morada. Naquela distante tarde do dia 02 de fevereiro de 1980 não fazia sol. Há cerca de 40Km de Feira de Santana, vindo de Jequié, onde  passara os dois últimos meses de minha vida na casa de meus pais, desde que chegara de uma estada de cerca de seis meses por alguns países europeus; uma tempestade repentina de verão despejou alguns milhares de litros d’água sobre mim e a moto que, como um bêbado, titubeava no asfalto, açoitada pela ventania que atingia uma das laterais. Por um tempo que me pareceu interminável, achei que jamais chegaria em Feira de Santana onde pretendia recomeçar minha vida.


Pouco mais de um mês desta assustadora chegada, já compartilhando com Humberto e Célia os espaços da Escola Dalle Nogare onde instalei o YEC – Your English Course; Tereza, uma Psicóloga amiga comum nossa, perguntou-me se não tinha interesse em conversar com a Diretora do colégio no qual ocupava a função de Orientadora Pedagógica. A professora de inglês havia acompanhado o esposo que havia sido deslocado para outra cidade e o colégio estava em busca de alguém que a substituísse. A Profa. Ana Angélica Vergne de Morais e seu esposo, Prof. Jerônimo, ambos da UEFS, estavam implantando o CAT – Colégio Anísio Teixeira, uma proposta de escola de Segundo Grau bastante inovadora, e estavam em busca de docentes que aderissem à proposta.


Incontinenti, aceitei o convite de Tereza e dias depois estava em uma sala sóbria, bem arejada e cuidadosamente aconchegante. Com o tempo, percebi que esta sala refletia exatamente a sua dona naquilo que aparentemente poderia ser sentido e visto. Com voz firme, olhar perscrutador e semblante sereno, até mesmo diante de uma vicissitude, ela ia falando não como uma “magistra locuta, causa finita est”, mas como uma contraparte docente destituída de qualquer superioridade que a função de Diretora poder-lhe-ia impor. Conversamos naquela tarde como se fosse um encontro de velhos amigos de antanho! Quis saber sobre a minha temporada na Europa e se encantou quando lhe falei sobre a Vendemmia – a colheita de uva para vinho, na Itália, durante o outono e não pareceu expressar qualquer surpresa quando lhe falei da experiência de minha deportação da Inglaterra! Apenas franziu o cenho, fez um muxoxo e disse: “Os ingleses são assim mesmo, não é!” A tarde já se findava quando lhe disse que nos colégios e cursos de inglês nos quais havia trabalhado, costumava dar aula de bermudas e nenhum diretor ou diretora havia feito qualquer objeção quanto aos meus cabelos de hippie, até então. Ela, sorrindo, disse que o que queria do docente de seu colégio era competência! O resto era responsabilidade dele e que ela não se achava no direito de fazer qualquer consideração.


Três anos mais tarde, uma nova composição societária foi constituída, novos contratos com os docentes foram estabelecidos e, aos poucos, o mesmo entusiasmo que detectei no semblante daquela Diretora que parecia incansável na direção do CAT foi se deslocando para a UEFS. Como aluno do Curso de Letras com Inglês, da UEFS, acompanhei este momento em que Ana Angélica desligou-se daquela que pensei ser sua Obra Prima e construiu uma outra bem mais densa e que muitas vezes, tive a certeza de que a sua verdadeira Obra Prima foi mesmo a UEFS. Não só pela dedicação à docência, mas a tudo que a esta função estivesse relacionado. Ocupou todas as funções no DLA onde foi também incansável pesquisadora. Já prestes a aposentar-se, quando fui Coordenador do Curso de Formação de Professores de Língua Inglesa, do PROFORMA, convidei minha ex-Diretora para ministrar um curso de Literatura Brasileira. Ela aceitou com um entusiasmo de causar inveja a qualquer jovem em início de carreira.


Esta foi Ana Angélica: um misto de Mulher e Fênix. E nesta condição, ela deixa um inestimável legado para nós, seus contemporâneos, e para aqueles e aquelas que virão depois de nós ao realizar a obra que realizou, enfrentando vicissitudes que, ao invés de impedi-la a seguir em frente, motivaram-na a ser esta mulher que definitivamente, de forma indelével, com sua ausência definitiva, se torna parte constituinte da história da UEFS! Requiescat in pace, Ana! 

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