Dia Internacional da Mulher, em meio à pandemia, escancara desigualdades de gênero e reforça necessidade de luta pelos direitos das mulheres

08/03/2021

Movimentos organizados por diversas frentes têm ao longo da história se mobilizado contra as opressões que cercam as mulheres; em contrapartida, as manifestações contrárias que visam cercear o espaço conquistado por elas também ganham força. Em especial no Brasil, vimos nos últimos anos o crescimento de uma onda conservadora com valores misóginos, machistas, homofóbicos, lesbofóbicos e transfóbicos que transformam os eixos de subordinação ainda mais acirrados.

Os movimentos em defesa dos direitos das mulheres, na sua diversidade, têm ganhado popularidade, principalmente entre as mais jovens, e com o apoio das mídias alternativas. Estas mídias apresentam as múltiplas possibilidades de enfrentamento ao machismo, ao mesmo tempo que ainda são movimentos que trazem consigo os estereótipos alimentados por uma mídia hegemônica sedenta por clichês que, por décadas, resumiram as lutas pela liberdade das mulheres a uma pauta conservadora e sexista. Nestas mídias enfatiza-se a exposição do corpo como o elemento mais importante para atrair os falsos moralistas e não os enfrentamentos ali engendrados.

O direito ao trabalho remunerado, ao voto e a educação são apenas algumas das mais marcantes conquistas lideradas por ideais feministas. No universo recente, a Lei Maria da Penha (2001), a Lei do Feminicídio (2015)  e a Lei da Importunação Sexual (2018) são importantes conquistas que legislam sobre a liberdade de se manterem vivas, uma condição dignamente conquistada a duras penas por mulheres que resistiram mesmo diante das múltiplas adversidades que atravessam diretamente os seus caminhos cotidianamente. É bem verdade que estas lutas custaram as vidas de muitas delas. O incêndio na fábrica dos Estados Unidos que levou à morte de 146 trabalhadores e trabalhadoras, entre eles 125 mulheres, em 8 de Março de 1857, é uma das origens da luta que vem se reinventando para quebrar as correntes que aprisionam não apenas um grupo de mulheres, mas que reconhece na liberdade de todas, independente raça, etnia ou sexualidade, uma pauta inegociável.

8M e Pandemia

Doze meses e alguns dias após o primeiro registro de caso de covid-19 no Brasil, celebramos mais um Dia Internacional da Mulher cientes de que a pandemia aprofundou ainda mais as desigualdades de gênero no Brasil.
A pandemia tornou pior a vida das mulheres em diversas instâncias. Segundo informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de feminicídios cresceu 7,1% em relação a 2019. O isolamento social vivido, com mais intensidade nesse período, fez com que mulheres passassem a viver por ainda mais tempo com seus agressores, o que aumentou o número de casos de violência no mesmo passo em que reduziu o número de queixas provocadas possivelmente pela dificuldade no deslocamento e no afastamento dos agressores. A cada dois minutos uma mulher é agredida fisicamente no Brasil.

No mercado de trabalho, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), a participação de mulheres é a menor dos últimos 30 anos. O percentual de mulheres trabalhando ficou em 45,8%. Comparando o mesmo período de 2020 e 2019, é possível identificar que a queda nos postos de trabalho entre mulheres (7,5%) foi maior do que entre os homens (6,1%). Apesar de ser um problema histórico, a pandemia ampliou a dificuldade de promoção de equidade de gênero para o mercado de trabalho brasileiro.

A crise sanitária também escancarou os níveis de exploração vivenciado por mulheres dentro dos lares, onde acumulam tarefas domésticas e cuidados com filhos, mesmo na presença de pais e outros responsáveis. As mulheres trabalham mais porque as tarefas não são divididas de forma equânime; este é um fato com ou sem a pandemia, mas as tarefas femininas ficaram ainda mais exaustivas.

Segundo a pesquisa "Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia", da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista, 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém na pandemia e 41% das mulheres que seguiram trabalhando com manutenção de salário afirmaram trabalhar mais na quarentena. Além disso, uma dimensão do trabalho doméstico que, de modo geral, é invisibilizada também aumentou, para 72 % das mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência, a necessidade de monitoramento e companhia cresceu consideravelmente, o que auxilia na sobrecarga das demandas. Estudo realizado pela FioCruz em 2020, mostra que a quantidade de mulheres que se queixam de aumento de trabalho doméstico é mais que o dobro dos homens que reclamam do mesmo problema.
Quando os dados apresentados até aqui são discriminados por raça/cor é possível perceber que o fosso das desigualdades entre as mulheres é ainda mais profundo.

“E eu não sou uma mulher?”

A pergunta feita pela ex-escravizada Sojourner Truth ao proferir seu impactante discurso durante a Convenção dos Direitos das Mulheres em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851, já chamava atenção para a não-universalidade das problemáticas enfrentadas pelas mulheres. Ao ouvir o discurso de pastores feito, antes da sua fala, sobre a incapacidade das mulheres em se igualar a homens em decorrência de características como fragilidade e falta de intelectualidade, Truth é enfática: “[...] Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E eu não sou uma mulher?”.

O lugar reservado às mulheres não-brancas evidencia que as frentes de batalha são múltiplas. Não há dúvidas sobre a importância da coletividade na luta, até por isso é fundamental o reconhecimento de que a diversidade precisa ser encarada como parte constituinte e que as opressões incidem de formas diferentes em corpos diferentes.
Para mulheres negras, as estatísticas apontam para um cenário ainda mais desigual e perverso. Elas continuam na base da pirâmide, já que a interseccionalidade de gênero e raça torna o corpo um campo ainda mais atravessado por opressões. Quando estas categorias somam-se a uma identidade de gênero não-normativa, a situação se torna ainda mais grave.

Segundo dados do Atlas da Violência, levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020, a taxa de homicídios de mulheres negras, a cada 100 mil habitantes, é de 5,2. Já para mulheres não-negras este índice cai para 2,8. A taxa de homicídio entre mulheres não negras teve uma queda de 11,7%, enquanto entre mulheres negras o aumento foi de 12,4%. O assassinato de mulheres trans, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2020, cresceu 41%, chegando a175 ao todo. Destas, 78% eram negras.

Mulheres pardas e pretas ganham menos e são a maioria entre as desempregadas. De acordo com o Pnad, as mulheres acumulam o maior índice de desemprego (14,9%) e entre elas, as negras compõem a maior parcela de desempregada, somando um total de 17,8%. Entre as travestis e mulheres trans esse índice é ainda mais absurdo. Segundo dados da Antra, divulgados em agosto de 2020, somente 4% das travestis e mulheres trans tinham empregos formais, 6% estavam na informalidade e para 90% a única alternativa é a prostituição que as submetem a condições degradantes de sobrevivência e violências múltiplas agravadas ainda mais quando referentes a travestis e trans pretas e pardas. Cerca de 70% das travestis e mulheres transexuais não conseguiram acesso ao auxílio emergencial em 2020.

Entre as mulheres indígenas a situação também é crítica. A dificuldade de comunicação em decorrência do idioma faz com que muitas delas tenham dificuldade em denunciar seus agressores. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas, as mulheres são as principais vítimas da violência praticada contra a população indígena no mundo e as indígenas têm mais chance de serem estupradas do que outras mulheres.

As demandas são diversas e o caminho a ser percorrido é longo. Neste mês de março, mais do que celebrar a importância das batalhas que vem sendo travadas, é importante também fazer a reflexão sobre em quais frentes é possível somar e de quais formas. A luta pela valorização das mulheres, respeito e igualdade de direitos não acontece apenas nas ruas, é preciso assumir o compromisso de combater o silenciamento, invisibilização e morte de mulheres desde os lares onde estas violências tem princípio, muitas vezes, por meio de agressões verbais, abuso psicológico e violência patrimonial. Nos ambientes profissionais e de lazer é importante permanecer vigilante e combativo (a) contra a desigualdade de gênero, do contrário, a luta não avançará para além do discurso e o quadro social não mudará.  

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